quarta-feira, 29 de junho de 2011

O COPO D'ÁGUA


A critica tem-me reconhecido, com munificência que me há penhorado, um espírito vivaz, variável, curioso; uma atividade indefesa; um certo amor à língua vernácula, e daí pronunciado carinho ao escrevê-la e um estilo latente e longe de idealismo; porém não tem ocultado o seu pesar por me não ver abalançar-me a isso que chamam os críticos "obra leviana" ou "trabalho sério" - um poema, um romance,um livro de crítica profunda. Ora, eu devo confessar que essa censura me calou sempre no espírito por havê-la formulado muitas vezes a mim própria, e teimo, hei de seguir meu coração; os padrões não se encaixam a mim, tanto quanto a cibernética com seus botões programáveis em se fazer robôs literários. Mas a necessidades inadiáveis da vida material, tão pesadas para uma mãe de família pobre nesta terra em que das letras ainda se não pode viver exclusivamente, impediram-me sempre de levar por diante esse projeto, cem vezes formulado e tão pouco começado a executar. A circunstância de escrever de um jato, sem o polido e o repolido que Boileau tanto aconselhava aos ferreiros da idéia, só é prejudicial às obras mal concebidas e mal nascidas, que não trazem dentro alguma coisa de humano, de luminoso. Não resolvi fazer um romance naturalista, nem de aventuras, nem de psicologia, nem simbolista, nem idealista; resolvi simplesmente fazer um romance (A VITRINE DO CÉU), que traduz o simples, o cruel repugnado e a nudez do preconceito. E ele foi-me saindo dos dedos no teclado com certo feitio, uma certa fisionomia, um certo caráter, que não tentarei definir e ainda menos explicar. Se, todavia me interpelasse alguém sobre tal ponto, diria que para a sua autora é o meu romance filiado à escola da realidade, a única, que acredito real e fecunda em arte. Encontrei-os na vida social, não só no que ocorre nos campos de futebol, na mídia acelerada pela globalização imediata e nas revistas que mostram aquilo que os seus editores querem que se veja. Ser moralista não é pregar — o hipócrita pode fazê-lo sem indignar-se. Em dez misantropos profissionais contam-se nove farsistas, que fazem honorabilidade da sua indignação a frio. Não é concluir - o sofista conclui. Não é evitar os termos crus e as pinturas livres - nos piores livros libertinos. Não é tampouco evitar as situações escabrosas; não existem livros amorais ou morais; são ou não frutos de um trabalho bem feito, digo, sentido, vivido. Não sei se o moralista é o escritor que mostra a vida tal como ela é, ou aquele que colori as letras a ponto de torná-las fantasiosas, escondendo a fétida realidade dos sentimentos humanos a fim de que se acredite que o paraíso é bem ali... Dentro do livro, ou entre as lições profundas de expiação secreta que nela se encontram por toda parte impressa. Tornar-se visíveis, como palpáveis, que mais serão objetos de olhos  minuciosos a rótulos, aqueles que escrevem sobre as dores da falta, a infinita amargura do mal, o rancor do vício, isso poderá ser considerado fazer obra de moralista. No entanto, a rotina de um romancista é viver com as suas criaturas — rir, chora, gozar, sofrer com elas. É uma segunda vida, outra sociedade que trazemos palpitante dentro de nós — na rua, em casa, por toda parte estamos sempre a escutar os seus murmúrios; as personagens encontram-se em todos os telhados; em todas as calçadas. Estão em todos os lugares. 
Não posso mais dizer sobre o poema, este não pode respirar e medrar neste nosso meio de hoje, excessivamente despoetizado pela indústria, pela ciência e pelo epicurismo, está fora do modismo; as pessoas se quer, os compram; a maioria das editoras se recusam a receber tal tema, pois o sabem que não serão vendidos. Resta-me o romance como o instrumento de dar vida aos murmúrios das personagens que até então eram apenas pseudos. A princípio foi camartelo. No século vindouro será escopo e trolha: construirá. O romance era fábula: hoje é história e critica; será filosofia amanhã.

5 comentários:

disse...

Eu sou muito radical quando escrevo. Até demais. E na minha radicalidade eu tento fugir um pouco do moralismo. Pois a moralidade não deixa de ser uma utopia. E é tão bom desconstruir essa auto-imagem de beleza que há nos corações dos falsos otimistas. Falsos, pois quando você enxerga a crueza das coisas, geralmente também enxerga num horizonte possível a melhoria da situação vivida. E, ao meu ver, essa é a utopia perfeita e que deve mover o homem. Não a falsa utopia (e conservadora), que aceita a situação e se conforma com ela. Se conformar com o seu tempo como um cego e alienado.

Enfim, peguei a esteira do seu argumento e fui longe... mas vim aqui mesmo parabenizá-la e agradecê-la pela visita ao meu blog. Ando um pouco parado, pois estou em fase de conclusão de mestrado. Porém, logo volto com tudo. Seja sempre bem vinda.

Um beijo!

@le_cal

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Olá

As palavras
que inspiram
o pensar
sçao preciosas,
nos tiram
do lugar comum.

Vida plena em teus dias.

Marie Raya disse...

Lindas suas palavras! Tem um jeito único de escrever! Estou participando do sorteio do seu livro já, beijos!

Unknown disse...

Muito lindas essas suas palavras.
Estou lhe seguindo. bjs

Raul Rentero disse...

hermosas palabras y hermosa foto. Evocador todo junto!
saludos desde el maestrazgomagico.blogspot.com
RAUL

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