quinta-feira, 14 de julho de 2011

A cidade e a galinha


Dias atrás tive a real sensação de saber o que é acordar com as galinhas. Era cerca de 05h30min da manhã e a luminosidade do dia começava a avançar sobre a noite. Tinha chovido. Havia uma brisa fresca que antecede o dia balançando as folhas das árvores. Aquela noite eu estava ao lado de meu amado, depois de tantas conversas virtuais e promessas escondidas debaixo do travesseiro. Tentava escapar do sexo no primeiro encontro, evitando que encontros assim, terminem na mais detestável e pura amizade. Assim, acho que o mais sensato de minha parte é agir educadamente, estampar um sorriso no rosto, conversar como se esse fosse o único e simples objetivo de tudo e levar a vida. Em idas e vindas, e um chove e não molha danado, acabamos dormindo lado a lado sem transar. Lá pelas três da manhã, acordei com necessidades minhas, e decidi-me a ir ao banheiro. Meio que sem jeito, dei um beijo nele, que balbuciou algo incompreensível na cama. Ele vestia bermudas e, aquelas meias horrorosas listradas feitas a uma zebra até o meio da canela, ele acordou, abriu a garrafa de água, sorveu um gole longo e me deu, jogando-se na cama. Dei um gole e fiquei lá estatelada esperando o momento certo da pergunta ou do posicionamento. Ele se deitou, me abraçou de um jeito manhoso – “Hum...” (meio que mastigando as palavras) Porque você está vestida? Descobri de longa data que a melhor maneira de responder a uma pergunta, é falar sobre outro assunto, e só depois responder. Justifiquei que iria embora; que tinha que acordar cedo no outro dia e trabalhar. Ele me disse – Não vai não... Fica. E ficamos naquele jogo de chove e não molha. Fiquei, acabei cedendo aos seus anseios e depois ele se deixou levar pelos braços de Morfeu e adormeceu. Eu me levantei e fui ao parapeito da janela do quarto, foi quando vi os tetos das casas; o quintal da casa ao lado cheio de pés de banana e outras plantas, das quais não saberia dizer o nome, nem agora nem depois. Degustei saborosamente a imagem do chão úmido da chuva que passara. O movimento de carros era pequeno e o silêncio da noite começava a ser tomado pelos cantos de pássaros e o farfalhar das folhas ao vento, quando de repente, vi uma galinha sair de seu esconderijo. Era uma casinha de madeira apoiada a um muro, quase um caixote, se não fosse pelos quatro pés, que lhe impuseram, e que a suspendiam a uns 20 centímetros do solo. Ela saiu tímida, como se estivesse a se espreguiçar, se acostumando com a luz. Encolhida, lutava imóvel contra, sei lá, quais pensamentos ou lembranças de sonhos que tivera, pois não sei bem o que sonha uma galinha, e nem quais são seus dilemas diários. Senti-a uma guerreira. Faça chuva, faça sol, lá está a galinha. Vem crise; passa crise; cá a vemos. Não percebi nela, estertores de consciência da solidão (e estava só) muito menos dúvidas sobre o que seria daquele dia. Bastava acordar cedo, passar o dia a beliscar o chão procurando por comida, e voltar para o caixote mais tarde, bem mais cedo que a nós, e dormir novamente. Uns olhando aquele cenário, diriam que a vida é ingrata; que precisava matar um leão por dia para sobreviver. Eu a invejei naquele momento enquanto sorvia e expelia toda uma lembrança dos tempos de infância, em que brincava com as galinhas de minha avó no quintal. Desvelei com os olhos a paisagem e me lembrei de Marco Polo, detalhando lúdica, e freneticamente, as cidades em que estivera a Kublai Khan, e concordei com ele quando disse que todas as cidades que descrevia aludiam a Veneza, sua cidade primeira, e que para distinguir as qualidades das outras devia partir da primeira, que permanecia implícita.
 As cidades são mesmo todas iguais; principalmente a essa hora da manhã, depois de uma chuva noturna. Voltei pra cama não sem uma ponta de saudosismo da galinha ou da cidade. Não que não as encontrasse mais lá, caso um dia desejasse revê-las, mas sim que o sentimento haveria mudado e com ele minha percepção desses fatos; Minha cidade primeira. Cansada, adormeci.


Texto e criação de Adriana Vargas de Aguiar, ao utilizar este texto, por favor, não se esqueça de mencionar a autoria.

2 comentários:

Unknown disse...

é...essa é a vida minha cara!!!

XERO LINDA

http://cywmara.blogspot.com

Alexandre Henrique disse...

Lembrei do conto; Uma galinha, da Clarisse Lispector, em sua admiração incomum sobre este bicho ao falar das personalidades e da sobrevivencia.

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