Este conto eu escrevi em 1996. Ainda não sei se é alguma lembrança minha ou só fruto de minha imaginação, ou as duas coisas. Enfim, espero que goste.
O sono não chegava. Levantou as mãozinhas para cima dos cobertores e ficou desenhando seres imaginários com as sombras da parede. Sua mãe sempre deixava o abajur do quarto aceso. Podia ouvir o ronco do pai e o som familiar da rua lá fora.
Por alguma injustiça da natureza, nascera como a mais nova de uma prole de três. Os irmãos tinham seu próprio quarto, mas ela tinha de se contentar em uma cama aos pés da cama de casal no quarto dos pais.
Sem ter o que fazer começou a murmurar a musiquinha que havia aprendido com a tia da escola. Primeiro, cantarolou a música da borboletinha que estava na cozinha fazendo o chocolate para a madrinha. Achava esta canção meio boba. Mas adorava chocolate. E às vezes imaginava que a borboletinha era a sua mãe e que a madrinha era ela mesma, se esbaldando com tachos e mais tachos do líquido marrom.
Achou melhor mudar de música, pois já estava começando a sentir fome. Preferiu a da dona aranha, que subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou.
Estava ocupada fazendo os movimentos da aracnídea imaginária quando pressentiu que havia algo de novo acontecendo. Sem nenhuma explicação, voltou sua atenção para os pés de sua cama. Repentinamente, viu surgir um gorrinho que refletiu o seu vermelho até ela. Logo, a cara de um palhacinho apareceu. Ele subiu na cama e se sentou bem nos seus pés. Sorriu de forma maldosa.
A menina ainda pensou em apanhá-lo, mas parecia não ser capaz de se mover. Logo, ela viu pedaços de pequenas cordas serem lançadas para ele. Ele se levantou e sempre com um sorriso maldoso nos lábios rubros, apanhou as cordas e se pôs a prendê-las na cama. Olhando para o chão, ela viu que vários outros bonecos de circo, com formas variadas, todas multicoloridas, estavam em volta de sua cama.
Estavam todos ocupados em realizar a árdua tarefa de amarrar os pés da cama. Meio temerosa, a garota acompanhou o movimento dos palhaços. Viu quando um deles deu um sinal, levantando uma das mãos, e os demais começaram a puxar.
Ela achou graça. Não eram mais que sete ou dez minúsculos bonecos, não maiores que um palmo. Será que eles achavam que iriam conseguir puxar a cama? Mas quando olhou para os pais, talvez intrigada com o fato de eles não despertarem diante de toda aquela algazarra, viu que sua cama se movia, muito lentamente. O primeiro palhaço havia subido em um dos pés da cama e comandava o trabalho.
Eles a estavam levando para a porta que dava para o corredor, mas pelas frestas desta viu que uma luz insuportável ameaçava invadir o quarto. O que aconteceria quando eles abrissem a porta? O pensamento de que algo muito ruim a esperava fez com que o medo se manifestasse.
Sua cama já tinha andado quase meio metro e ela não conseguia se mexer. Os pais ainda dormiam. Sem suportar mais, deu um grito apavorado, evocando a mãe, pouco antes de ser envolvida pela luz. Pernas pularam em um baque surdo e chinelas se arrastaram pelo chão.
4 comentários:
Ótimo Gislene, acho que toda criança já passou por isso! Eu tinha pavor de palhaços rs rs e até hoje tem alguns que me assustam rs rs!
abraços Fabi
www.fabianacardosoescritora.wordpress.com
Ótimo texto! Lembrou-me de meus medos...
Um pouco assustador, mas só a parte que não está escrita, pois deixou para nossa mente ficar elocubrando o restante.
Parabéns pela criatividade!
Abraços, J.C.Hesse
Eu ainda hoje acho que existem poucas coisas mais assustadoras que o palhaço. Rs.
Postar um comentário
Seja bem-vindo!
O sucesso deste blog depende de sua participação.
Comente!