O vulto emergiu das sombras e se apresentou diante de mim com o cano da arma apontado para a minha cara. O olho vazado da arma sugou meus sentidos me deixando oco. De onde será que ele tinha surgido? Eu havia feito todos os procedimentos de praxe. Verificara a presença de alguém na rua dando uma volta prévia antes de parar diante de minha garagem. Havia feito isso mesmo sendo de dia. O sol a pino. Eu não entendi o seu tom de comando. Percebi que havia algum desespero em sua voz. Talvez porque aquele desespero ecoasse com a mesma nota do meu próprio. Era apenas uma voz jovem e dura. Jovem o suficiente para não entender o que estava em risco ali. Dura o suficiente para fazer aquele olho de metal piscar o momento derradeiro. O que eu fazia? Será que me movia? Será que reagia? Podia ver o dedo nervoso pressionando perigosamente o gatilho. Apenas algum milímetros e eu já era. Estava por um espirro. Por um soluço. Como podia ser assim. Morrer não deveria ser algo tão fácil. Morrer? A bexiga falhou. Mal senti o líquido quente escorrendo pelas pernas. Ouvi uma risada. Uma ofensa. Mijão. Estava rindo. Rindo de meu medo. Rindo de anos e anos de controle fisiológico duramente adquirido ao longo de todo um processo civilizatório sendo perdido em um único lapso do destino. Um safanão me puxou para fora. Som de pés correndo. A voz incompreensível gritando. Portas batendo. Um cantar de pneus. Foram-se. Escorreguei no meio fio e fiquei lá até que alguém encontrasse os meus restos e os remendasse a ponto de eu voltar a parecer-me comigo mesmo.
- Porque está assim?
- Assaltaram-me na porta de casa.
- Levaram algo?
- Nada importante. Só minha humanidade.
2 comentários:
Parabéns Gislene! Como sempre o conto é ágil e bem escrito, com uma pontinha de humor no final!
abraços Fabi
Tem dias que o vento morde a noite, morde a carne, entre os dentes um grito abafado, apenas uma queixa apenas congela-me a noite abafada pelo ar úmido e frio da noite, pelas manhas folhas orvalhadas brilham com o pó das estrelas, onde gotas leves são levadas suavemente pelos caminhos... e caem como plumas aos nossos pés...
Amigos queridos queria orerta- lhes algo, e dizer que como é bom estar entre vcs outra vez.
Beijos, abraços...
Nina
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