sexta-feira, 18 de maio de 2012

Presente de Oito Anos



Você espera muito para conseguir o que quer. Paciência é o menor dos desafios nessa hora. Tem que procurar parecer o mais despreocupado possível, e disfarçar totalmente o seu interesse quanto ao assunto. Controlar a vontade de pular da cama de manhã e gritar a plenos pulmões quantos dias faltam para a tão esperada data. Mas por mais esforços da sua parte em manter longe dos seus pensamentos o seu tão esperado presente de oito anos, ele sempre estará lá, reluzindo.
O meu era uma bicicleta. Já tinha uma, daquelas rosa-bebê, com rodinhas nas laterais e cesto no guidón. Mas ela já não fazia mais o meu estilo, justamente pelo fato de que ela era do tipo ‘idade máxima permitida: cinco anos!’. Não havia mais condições de pedalar naquilo. Ela seria o meu legado para a minha irmã mais nova, que, naquela época, tinha pavor só em pensar que um dia teria que trocar a sua motoca por ‘aquela coisa’ esfolada e suja.
Eu queria uma bicicleta nova que não fosse muito grande, pois eu tinha pernas curtas e uma premonição de que elas não cresceriam a ponto de ter que trocar-la novamente. Tinha que ter dezoito marchas... apesar de eu não fazer a mínima idéia de como elas funcionavam (e até hoje não sei direito). E eu não queria uma cor muito menininha. Eu iria vencer grandes competições no pátio da minha casa, então ela deveria estar à altura e ser apresentável.
Enfim, naquele dia de agosto de manhã, quando abri os olhos, lá estava ela, encostada no guarda-roupa.  Era preta, repleta de manchas roxas e bordos, com dezoito marchas e era justamente do tamanho que eu tinha imaginado.
Lembro que andei com ela o dia inteiro e procurava fazer tudo o que me pediam com a bicicleta nova (pelo menos o possível, já que lavar a louça com ela não foi uma boa idéia). Morria de ciúmes quando minha mãe me obrigava a emprestá-la para a minha prima dar uma volta. Sentia-me poderosa quando minha irmã fugia de medo dos pneus. E não ligava para os joelhos mais vermelhos e esfolados por causa dos tombos muito maiores.
Essa fase até que durou bastante. Pelo menos até nos mudarmos para uma casa no centro, com muito menos pátio e muito mais vizinhança. E com a mudança, veio um brinquedo novo. Um que nos mantinha dentro de casa quando não estivéssemos na escola. Foi a fase do videogame, que nos fez entrar no mundo dos adolescentes modernos do centro. Apesar de nessa casa também ter um espaço razoável para um volta e meia, já não era a mesma coisa andar de bicicleta.
Mas por que esse presente de oito anos marcou tanto? Bom, só descobri isso alguns anos depois, quando decidi povoar linhas e mais linhas com os meus garranchos.
Eu tinha alguns elogios, um pouco de tempo, muita vontade, escassos incentivos, muitas dúvidas e um tremendo medo.  Mas comecei mesmo assim, capengando, precisando do apoio de rodinhas para me manter firme e, com muita prática, descobri que era fácil. Era só uma questão de perder o medo de começar.


Escrever, foi como aprender a andar de bicicleta: tão perigoso e tão divertido quanto.
Chega um dia em que sua vontade leva você até o topo de um morro e, ao chegar lá em cima, bem lá em cima, você percebe que só há um meio de descer. Dá um pânico, um frio que gela a espinha e te faz pensar em desistir, que realmente não vale à pena. Mas daí você vê tudo o que fez para poder estar ali, tudo o que esperava e ainda espera que aconteça. Todos aqueles que, de alguma forma ou outra, apoiaram nessa subida e que prometeram estar lá embaixo esperando. E um primeiro impulso, mesmo que de olhos fechados, torcendo para que dê tudo certo, é mais do que suficiente. Você consegue reunir toda a sua coragem e desce. Cada vez mais rápido, e fica apavorado, pálido, gritando desesperado que não deveria ter feito aquilo... Mas ao chegar ao final (seja de uma forma espetacular, normal ou capotando), você percebe que não tem coisa igual! E, respirando fundo, prepara-se para subir e descer novamente... Ciente de que em cada descida irá aprender uma coisa nova e que, logo, precisará de uma bicicleta maior.
Meu presente de oito anos não foi apenas uma bicicleta. Foi um dos meus primeiros passos em perder o medo de enfrentar meus medos.

Lhaisa Andria

2 comentários:

Thayane Gaspar disse...

"Escrever, foi como aprender a andar de bicicleta: tão perigoso e tão divertido quanto."

Ótima comparação.

Roxane Norris disse...

A vida é sempre uma superação de limites, um desafio. Algumas vezes, somos testados ao extremo, outras não. Enfrentar seus medos é realmente um passo grande. Parabéns Lhaisa pela analogia, me fez pensar numa outra ligada à bicicleta que é a famosa frase: Quem aprende a andar biclieta nunca mais esquece... Bom, que se dedica à escrita, também não!
Beijos flore

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