quinta-feira, 2 de junho de 2011

minha crônica - a cidade e as galinhas / concorrendo a um prêmio literário




A galinha e as Cidades
Autora: Adriana


        Dias atrás tive a real sensação de saber o que é acordar com as galinhas.
            Era cerca de 05h30min da manhã e a luminosidade do dia começava a avançar sobre a noite. Tinha chovido. Havia aquela brisa fresca que antecede o dia balançando as folhas das árvores. Não pense o leitor que é algo corriqueiro para eu acordar tão cedo e me debruçar em parapeito de hotéis para olhar a cidade, mas é que aquela noite eu estava ao lado de meu amado, depois de tantas conversas virtuais e promessas escondidas debaixo do travesseiro. Tentava escapar do sexo no primeiro encontro, o que acaba fazendo que encontros assim terminem na mais detestável e pura amizade. Assim, acho que o mais sensato de minha parte é agir educadamente, estampar um sorriso no rosto, conversar como se esse fosse o único e simples objetivo de tudo e levar a vida. Em idas e vindas, e um chove e não molha danado, acabamos dormindo lado a lado.
            Lá pelas 3 da manhã, acordei por necessidades minhas e decidi-me a ir ao banheiro. Meio que sem jeito dei um beijo nele, que balbuciou algo incompreensível na cama e retribuiu com um deslizar da mão pelo o meu braço. Por fim acordou e disse ter sede. Afirmei que buscaria água, mas ele ainda vestia bermudas e, claro, aquelas meias listradas parecidas com o couro de uma zebra que iam até a altura da canela, ri escondido; de repente ele tomou a iniciativa, e disse que pegaria a água; que não era pra se preocupar, ao que assenti com a cabeça. Logo que saiu, levantei-me de relance e vesti a roupa de uma vez, ainda escutando seus passos descendo as escadas; Calcei as meias e fiquei deitada olhando para a porta, no escuro, esperando-o retornar. Não demorou muito e lá estava ele. Entrou, abriu a garrafa de água, sorveu um gole longo e me deu, jogando-se na cama. Dei um gole e fiquei lá estatelada esperando o momento certo da pergunta ou do posicionamento. Ele se deitou, me abraçou e finalmente perguntou de um jeito manhoso – “Hum...” (meio que mastigando as palavras) Porque você está vestida? Descobri de longa data que a melhor maneira de responder a uma pergunta, é falar sobre outro assunto, e só depois responder. Comentei sobre o serviço do hotel; ele assentiu com a cabeça e por fim, disse que iria embora; que tinha que acordar cedo no outro dia e trabalhar. Ele me disse – Não vai não. Fica. E ficamos naquele jogo. Depois ele se deixou levar pelos braços de Morfeu e adormeceu. Eu me levantei e fui ao parapeito. Foi quando vi os tetos das casas; o quintal do lado cheio de pés de banana e outras plantas, das quais não saberia dizer o nome; nem agora nem depois; o chão úmido da chuva que passara. O movimento de carros era pequeno e o silêncio da noite começava a ser tomado pelos cantos de pássaros e o farfalhar das folhas ao vento, quando de repente, vi a galinha sair de seu esconderijo. Era uma casinha de madeira apoiada a um muro, quase um caixote, se não fosse pelos quatro pés, que lhe impuseram, e que a suspendiam a uns 20 centímetros do solo. Ela saiu tímida, como se estivesse a se espreguiçar e a se acostumar com a luz. Encolhida, lutava imóvel contra sei lá que pensamentos ou lembranças de sonhos que tivera, pois não sei bem o que sonha uma galinha nem quais são seus dilemas diários. Senti-a privilegiada. Faça chuva, faça sol, lá está a galinha. Vem crise; passa crise; cá a vemos. Não percebi nela estertores de consciência da solidão (e estava só) muito menos dúvidas sobre o que seria daquele dia. Bastava acordar cedo, passar o dia a beliscar o chão procurando comida e voltar para o caixote mais tarde; bem mais cedo do que nós, e dormir novamente. Uns diriam: vida ingrata. Eu a invejei naquele momento enquanto sorvia e expelia a fumaça branca dos meus pulmões, que a esse ponto, não deviam estar tão brancos assim. Se é que um dia o foram. Desvelei com os olhos a paisagem e me lembrei de Marco Polo, detalhando lúdica, e freneticamente, as cidades em que estivera a Kublai Khan, e concordei com ele quando disse que todas as cidades que descrevia aludiam a Veneza, sua cidade primeira, e que para distinguir as qualidades das outras devia partir da primeira, que permanecia implícita.
As cidades são mesmo todas iguais principalmente a essa hora da manhã depois de uma chuva noturna.
Voltei pra cama não sem uma ponta de saudosismo da galinha ou da cidade. Não que não as encontrasse mais lá, caso um dia desejasse revê-las, mas sim que o sentimento haveria mudado, e com ele a minha percepção desses fatos; Minha cidade primeira. Cansada, adormeci.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja bem-vindo!
O sucesso deste blog depende de sua participação.
Comente!

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...