domingo, 8 de abril de 2012

No princípio...



Dizem que no princípio era o caos. Tá tem quem diga que no presente é o caos também, especialmente se ainda estivermos pensando no trânsito da volta do feriado. Então vou tentar pontuar com mais clareza a diferença. O caos do qual eu falo é o Caos, assim, com letra maiúscula. Para os gregos, o princípio de tudo. O Caos de antes e o caos de agora na realidade perderam-se em seu significado. Pois aquele Caos, lá nos primórdios do homem europeu, tinha um significado bem mais profundo que há muito foi perdido. Seu nome, traduzido ao pé da letra, significa “separar”. Só por aí, já se percebe que este deus, apesar de ter nos legado a palavra que serve para definir o resultado da gestão pública no Brasil, teve seu real significado esquecido. Quase tão esquecido quanto o início do mundo narrado por nossos índios. Sabe como é, melhor se lembrar da herança européia. Lembrei-me de uma lenda contada por alguma tribo de nome impronunciável que já saracoearam seus esqueletos por nossa terra. Diziam que no princípio não existia nada além de uma terra sem planícies, morros, rios, florestas ou qualquer outra coisa que quebrasse a monotonia do relevo. Eu realmente sou mais simpática a essa narrativa. Afinal, tendo uma terra sob os pés é possível se crer em uma testemunha ocular do princípio. Como é que com todos os deuses algum humano poderia testemunhar o Caos? Bom, voltando. Nesta terra sem nada existia um velho que tinha lá os seus filhos. Não se fala de nenhuma mulher, mas se os gregos fizeram brotar da terra os hecatônquiros porque é que nós não podemos fazer brotar um velho e um punhado de filhos? Entre esses filhos existia um gigante. O mais forte entre os fortes. O velho temia a força deste e decidiu lhe dar alguns trabalhos impossíveis. Qualquer tentativa de comparar estes trabalhos com o de Héracles é pura intriga midiática. É da minha opinião que esse filho além de gigante e forte era também ou muito bom ou muito burro porque ele realizava tudo o que o pai lhe pedia sem pestanejar deixando o velho mais e mais inquieto. Um dia decidiu o pai chutar o pau da barraca. Não sei se existia ou pau ou a barraca isso é apenas uma figura de linguagem. Enfim, pediu a seu super desenvolvido filho que se esgueirasse por um buraco que ia dar nas profundezas da terra sabendo que uma serpente de corpo tão vasto quanto a planície repousava ali. O filho obedeceu. No entanto, ao se deparar com o monstro, travou-se fabulosa luta que fez a terra tremer e se desdobrar em ondulações que hoje chamamos de colinas, morros e serras. A força do gigante foi maior e o velho viu o filho surgir intacto do buraco após ter passado o apuro daquele sacolejar da superfície que foi suficientemente potente a ponto de abrir enorme fenda no solo. Os dois que ainda estavam aturdidos com os fatos ouviram vozes lá no fundo do abismo implorando que lhes ajudassem. O filho que eu acho agora que era apenas bom de coração mesmo, tratou de jogar-lhes uma corda e de lá de dentro foram subindo gente de toda espécie. Os primeiros eram feios e deformados. Aquela horda horrenda foi subindo e pisando sobre a terra. Mas foi-se percebendo que conforme a cratera regurgitava aquela multidão as feições e formas dos corpos iam se tornando menos aviltantes. No final, quando finalmente estava começando a sair os antepassados de Peri e Iracema, fortes candidatos a gerarem os Top Models do futuro, a serpente que havia ficado quieta até então, tornou a se mexer dentro da terra e fechou a fenda deixando apenas uns poucos dos belos na superfície e engolindo todos os outros que ainda se empenhavam em galgar a encosta. No mundo ficou muito mais gente feia do que bonita e essa gente foi se misturando entre elas e depois entre os europeus, africanos e toda espécie de ser humano que veio dar em terras tupiniquins. E aí, fez-se o caos.

Gislene Vieira de Lima 

3 comentários:

TUTORIAL disse...

Maravilhosa maneira de ver o caos, ao menos em conto é melhor que o do nosso dia a dia. Isso dá um livro eim, rsrs.
Abraço,
J.C.Hesse

Gislene Vieira de Lima disse...

Nem brinca. Se eu tiver de escrever mais vou perder os dedos. rs.

Fabiana Cardoso disse...

Adorei o conto, muito criativo! Gislene bem que falou que tinha muitas ideias, ótimo!

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