sábado, 14 de janeiro de 2012

Um Prefácio Avulso



Meu relógio biológico não me deixa passar das seis da manhã durante o final de semana. Se não me bastasse acordar a semana inteira antes mesmo do sol nascer, os dias de descanso iniciam dentro de um ciclo de aborrecimentos e desgastes sentimentais. Há uma razão para esse meu hábito e o que diz sobre minha juventude nada assemelhasse. O corpo que transmite calor sobre a coberta carece de amor tanto quanto eu. O desejo que reagia sobre mim como adrenalina a partir do despertar e me conferia uma nova aventura por terras desconhecidas esvaísse mesmo que os sonhos lembrem-me da felicidade ao acordar aquele por quem eu sofro de amor até hoje. Instintivamente, eu levanto e caminho até o jardim onde fico a observar o orvalho sobre o verde e as flores pelas quais minha mãe lutara tanto contra a desistência do meu pai para cuidar. É a única parte da casa que eu consigo sentir a presença dos dois juntos, o resto caíra na modernidade e não me lembrava em nada minha infância. O sol que luta para se fixar no céu azul é seguido por uma quantidade de nuvens escuras que aos poucos deixam a água contida banhar a cidade de São Paulo no primeiro dia do ano.                                                   
      Aonde você está agora?
      Qual seria nossa opção para o primeiro dia do ano?
      Talvez com todos esses anos tivéssemos uma família com quem comemorar e cederíamos à viagem, ou simplesmente optaríamos por permanecer deitados na cama abastecidos da presença um do outro. É inevitável não pensar como seria minha vida se as escolhas fossem diferentes, entretanto as últimas palavras proferidas foram de tamanha convicção que não posso voltar a trás. Os pingos de chuva ficaram mais torrenciais e me obrigaram a entrar para a muralha escarnecida da falsidade, incongruência e muitos dos sentimentos negativos que forçam uma vida e não me é de necessidade mencionar.
      Sobre a mesa do meu escritório pousa meu aparelho celular e vejo a me perguntar se o número ainda era o mesmo, se em algum lugar alguém esperasse por uma ligação ou uma mensagem. Seria o nosso sofrimento mútuo? A chave do carro está a centímetros da minha mão e quero apanhá-la. Preciso sentir-me bem e abandonar minha família, preciso quebrar a muralha e correr sobre o passado para desfazer os passos errôneos dos meus 21 anos. Meu pai sempre disse que a felicidade humana tem seus preços, entretanto nada melhor que uma vida plena. Talvez pedir conselhos para minha mãe fosse perda de tempo, pois ela me diria o mesmo e até Gustavo, claro que mais simplificado, tentaria convencer-me da escolha já tomada. Entro no meu quatro a passos silenciosos, para não despertar o sono de quem ainda dorme tão profundamente. Tento desesperadamente encontrar uma peça casual no meio da formalidade dos ternos em maior número. Era nisso que meus dias se resumia, a ternos de trabalho. Reformara quase todo o guarda-roupa do meu pai e o trabalho parecia o prioritário, minto, é o prioritário. Encontro uma calça jeans surrada, que aparentemente diria que faz parte da réstia do meu passado e uma camisa que ganhara recentemente da minha mãe sob o propósito das comemorações natalinas. Passo nos aposentos do meu filho e deixo sobre o criado mudo a enorme caixa embrulhada em papel presentiável, bastaria ele abrir os olhos para esboçar o lindo sorriso que cultiva na face infantil. Antes de lhe dar as costas, beijo sua bochecha e desejo felicidades para o ano recém-nascido.
      Eu estou indo, e seria hipócrita se dissesse sob total segurança. Eu não sei as consequências, entretanto não saberei se permanecer com os olhos fechados.


R.S. MERCE






Selo do Clube dos Novos Autores

PRELUDE
Autor: R.S. MERCES
Linha editorial: FICÇÃO
Editora: Independente

SINOPSE:  

No ápice da perseguição aos hereges, forças do mal trouxeram à terra uma criatura capaz de reger a raça humana. Em Loudun na França, nasceu uma linda criança do sexo masculino. Essa criança viveu como uma criança normal até completar dez anos. O poder que as forças do mal lhe deram começaram a aparecer. Ele persuadiu todos os moradores de Loudun a se matarem, inclusive seus pais. Em Prelude- O Encontro, o jovem Vince, descendente da raça dos preludianos, descobre seus poderes sobrenaturais entre questionamentos e revelações. Ele se encontra dentro de uma missão perigosa, precisa deixar o vilarejo e ir em busca de Ryan, o irmão que até então estava morto. Ryan vive no mundo dos humanos e é o ser que pode trazer à humanidade a criatura de poder supremo, mencionada no diário de Sophie. Vince precisa encontrar o irmão e impedir que a profecia se cumpra.
Informações: clique aqui




Texto e criação do autor, ao utilizar este texto, por favor, não se esqueça de mencionar a autoria.

5 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto de Merces, está de parabéns. Identifiquei minha rotina: trabalho, faculdade, e chegada em casa depois das 22:00 horas. Estou tentando quebrar esta rotina, por este motivo, o texto me fez pensar mais em minhas decisões.

Renan Merces disse...

Olá, Rubens

Obrigado pela leitura e por comentar. Afinal de contas isso enaltasse o autor de um texto.

Atenciosamente,
R.S.Merces

Cesar disse...

Um texto que nos leva a refletir até que ponto as reações mecânicas do dia-dia podem engessar a nossa capacidade de perceber as coisas belas da vida. Gostei muito do texto e do assunto do livro.

Poesia na alma disse...

Um ótimo texto! Parabéns!

Unknown disse...

Que prefácio intrigante.A maneira que você descreveu a cena, fez eu imaginar tudo na minha cabeça, e lembrei dos livros de Jane Austen!
Gostei demais, quero continuar a ler....
Parabéns!

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