Não tenho um jardim ao qual
eu poderia sentar em uma cadeira de madeira e deleitar-me ao toque do vento no
meu rosto. Aliás, eu agora choro e o único assento precisa ser escorado com uma
pedra por ter quebrado uma das pernas. O odor que exala pelo ar toma-me os
pulmões e causa tremores no corpo. Todos os anos que demorei para construir
aquela casa! Trabalhava dia e noite, deixava de comprar as belas roupas da
década de 70 e seguir minhas amigas aos bailes para ajudar meu marido — já
falecido — levantar o recinto de nossa família. No ventre crescia uma vida e ao
passo do investimento seu nascimento bateria com o fim das obras. Jazia ali uma
pequena biblioteca com clássicos da literatura, entre eles Machado de Assis,
móveis de sucupira e cartas que no furor do amor foram escritas com palavras a
inundarem-me as pálpebras de lágrimas.
Como queria culpar Deus por isso ou até
mesmo o prefeito. Muitos soltam gritos nas ruas de ameaças ao prefeito da
cidade e buscam por fundos para suprir as perdas. Querem me tirar da cadeira e
levar-me para um lugar mais seguro, só que não existem lugares seguros aqui na
Terra. Nós seres humanos estamos aos poucos matando-nos e acontece tão
silenciosamente que quando abrimos os olhos tudo se foi para sempre. É uma correnteza
forte capaz de arrastar as mais íngremes das construções e o que resta é barro.
Encontramos ele em tudo lugar. No meio dos móveis, dentro da geladeira, nas
unhas e por entre os cabelos. A inocência infantil faz a festa, pulam na água,
correm atrás dos helicópteros filmando o ocorrido e descansam nos colos das
mães desoladas. Não há comida e o estômago rejeita o cheiro de esgoto.
...
É pouco o que imploro agora: levai-me
água.
Texto e criação do autor R.S. MERCES, ao utilizar este texto, por favor, não se esqueça de mencionar a autoria.
8 comentários:
Texto maravilhosamente denso. Deixa um nó na garganta. Preciso agora é de beber um pouco d'àgua.
Um aperto no coração. Uma culpa presente. Beijos.
O texto nos mostra a fragilidade de nossas vidas, e o descaso de nossas autoridades.
Que texto profundo, que toca na alma e enriquece o coração lindo demais!!
Tocou profundamente!!!
Parabéns!
Todos temos esse sentimento de pertença a algum lugar!
E nesse lugar crescemos em sentimentos... que não queremos ver orfãos.
A miséria e o descaso dos governantes desmascaradas em poucas linhas. Esse é o diferencial dos grandes escritores.
A insegurança e o desconforto que espreita o ser humano a todo o instante...
A incapacidade de contornar tantos obstáculos desenvolve no ser humano uma conflitualidade difícil de resolver.
Um texto denso, inquietante.
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